Sorria, você está sendo filmado!
- jade turquesa
- 25 de abr. de 2021
- 2 min de leitura
Faz tempo, ihhh muito tempo que, para cumprir a tabela do concurso que me inscrevera por imposição materna, acordei cedinho num domingo ensolarado, como hoje, e me dirigi bem preocupada para uma prova de datilografia. Para aqueles que sorriram ao lembrar dessa época, desejo muita saúde! Para quem não sabe o que significa já explico: é o sinônimo antropológico do verbo digitar.
A preocupação tinha motivos.
Por pura preguiça e teimosia só me inscrevi numa escola de datilografia 6 dias antes do tal exame. Tive que fazê-lo para poder continuar vivendo sob o mesmo teto de meus pais e já que tinha me saído bem na prova escrita.
Sim, a datilografia era eliminatória!
Era um curso de, juro, 8 horas por dia.
Eu, achando que o intensivão era baba, já no primeiro dia (uma 2a. feira) me vi submetida a um tipo de tratamento de guerra (do vietnã). O professor de origem oriental me fez exercitar 8 horas consecutivas um mesmo caminho naquele teclado Remington. Punho dobrado, barriga encolhida, coluna ereta, posição de sentido!
Cheguei em casa atônita e todos diziam "bem feito".
No dia seguinte pela manhã pensei ter quebrado os 2 pulsos tamanha a dor que sentia. Aquela articulação que ligava a mão ao braço estava avariada. Quem está vivo ainda poderá se lembrar que o teclado daquelas máquinas era como as fileiras de um teatro grego íngreme, ficavam as teclas quase umas sobre as outras e as minhas mãos tinham que se manter como que numa posição de caimbra intermitente. Foi o caos.
Muito Lisador, pomadas, mas nada fazia a dor sumir.
No 5o dia fui chorando para o vietnã.
No 6o não deu. Era o dia que antecedia a prova e conseguia mal mexer o braço. Passei o dia me lamentando de dor, e dá-lhe Lisador.
No domingo da prova, cheguei com os braços esticados sem oferecer resistência à força da gravidade. Minha mãe dizia que eu ia conseguir e bem feito.
Sentei logo na 1a fileira para não me impressionar com aqueles que já sabiam os segredos da ordem dos dedos. O início se daria no momento do tlim de um sino. Ele soou.
De repente 100 x 2 mãos velozes e obstinadas começaram ao mesmo tempo bater na minha cabeça, era ensurdecedor. Eu olhei para os lados e para trás e não acreditava que era possível fazer tanto barulho. Aquilo sim era a guerra do vietnã.
Tadinha de mim, comecei a me fixar numa placa à frente, dizia, "você está sendo filmado", e a passo de valsa comecei a dedilhar, com as dores amenizadas pelos analgésicos, alguns poucos parágrafos. A campainha soou de novo. Fim.
Saí surda e disse para minha mãe: esquece! Nem escutei o resto...
Passado o tempo para saber o veredito, supresaaaa, passei! Até hoje me pergunto como.
Quando fui chamada para assumir o cargo, fui e lá e vivi 41 anos de minha vida. Isso é que é assumir!
Até agora não sei digitar números, foi a última aula que perdi.
Foi a direção de trabalho que minha vida tomou. Hoje, o meu principal trabalho está em conhecer meu universo íntimo e aceitar o mundo do qual faço parte.
Mas até hoje me nego a obedecer ao pedido estampado nas placas, "sorria, você está sendo filmado". Lembro da batedeira e só saio na foto com os 2 olhos bem arregalados!

Kkk Adorei seu texto ( aliás sempre!). Me fez lembrar alguns perrengues com a datilografia. Fui reprovada no concurso para o Instituto Biológico porque não dei conta da digitação. Nunca entrei numa escola de datilografia, pensava , pra quê? Meu pai escrevia dia e noite e só usava dois dedos, isso, somente dois! Então nao teria motivo para pensar que com 10 eu seria melhor.
Nunca fui de entrar em uma batalha para perder mas esse vietnã era cruel e nunca consegui superá-lo. Minha vingança é que ele foi abatido pela tecnologia e eu sobrevive mesmo usando dois ou três dedos ( herança).
Que descrição perfeita do martírio do dia desse tipo de prova! Eu tb entrei num curso de datilografia, só que dois meses antes do dia fatídico. Punha a mão oposta à que treinava debaixo da perna, pra esquentar por causa do frio - incomum pra mim, recém-chegada em S. Paulo, depois de nove anos morando em Brasília. Mas, ao contrário de vc, o "vietnã" me derrubou e eu "congelei" pelo barulho ensurdecedor, tendo como resultado a desaprovação nessa prova eliminatória, embora tivesse feitos pontos suficientes nas provas escritas pra ficar entre os 25 primeiros lugares. Aprendi a lição do treinamento eficiente e, dois anos depois, enfim tive sucesso. E, pelos 24 anos seguintes, pude ter a alegria de ter convivido…