Em nome do Pai

Só me dei conta agora que amanhã é o dia de comemoração aos pais. Corri para fazer uma homenagem para um homem extraordinário. Ezio, claro.

Tenho que dizer que eu o temia, ou quase isso, mas sempre mais que à minha mãe.

Tudo era conversado, correção, tudo era discutido com ela e o embate terminava quando a frase mágica era soletrada "v á p e d i r p a r a s e u p a i". Pronto, ela vencia.

Pedir para meu pai algo que minha mãe discordava? O desfecho já era conhecido. Evitar a negativa sempre foi uma boa estratégia. Deixar o desgaste para algo que valesse muuuuuito a pena, quem sabe ele amoleceria.

Logo, as discussões eram com a parte materna porque com o Ezio não tinha muito acordo.

Para quem tem filhos e usa esse "vou contar para seu pai" já aviso, não é legal.

Já estava alfabetizada quando fiz o pré e o primário no colégio de freiras,

Rezava na entrada, no meio e na saída. Fazia fila mantendo distância da criança da frente esticando o braço, como na gestapo. Não sei ao certo mas acho que foi lá que aprendi várias orações.

Um belo dia, na aula de português do 1º ano primário, levei um susto. Minha professora, Dona Maria Aparecida (com certeza em outro plano agora) deu um estalo na mesa e com voz forte disse: Jade, você vai levar um carimbo de NÃO PRESTOU ATENÇÃO.

Meu Deus, gelei. Só pensava naquilo.

Fiquei por vários minutos com os olhos arregalados enquanto ela caminhava na minha direção pisando duro (era bem gordinha). Pegou meu caderno, abriu, meteu o carimbo e disse: QUERO A ASSINATURA DE SEU PAI AQUI.

Não sei descrever o que senti, Era mais ou menos como a morte.

Dali em diante não ouvi mais nada. Fiquei levitando em outro espaço da imaginação. Como eu diria uma desgraça dessas para meu pai? Já sei, vou fugir. Não. Fingir moléstia. Não.

E foi buscando uma saída que me lembrei do meu outro Pai. O do céu.

Todas aquelas rezas diárias agora teriam que me salvar do inferno que um carimbo me impingia. Eu rezei viu, Ah como eu rezei!

Minha avó Bertha ia diariamente me buscar (meus pais trabalhavam o dia inteiro fora) e fui levada como que ao cárcere naquela tarde e esperei, esperei e esperei os dois chegarem.

Já tinha entregado tudo e a alma para minha avó, que sorria docemente, e eu pensava como ela tem coragem de rir?

Vou abreviar a novela. Veja a cena, Meu pai, sentado à mesa para jantar e eu acariciando a abotoadura da camisa branca de mangas compridas dele. Tomei impulso e disse quase sem voz "euleveiumcarimbodenãoprestouatenção" em meio décimo de segundo.

Meu pai disse "não entendi".

Ai Jesus, como assim? Repeti " eu levei um carimbo denãoprestouatenção". Três décimos de segundo.

Com olhar quase sério ele me disse - vamos cuidar para não acontecer mais, certo? E assinou o caderno que eu segurava.

AHHHH que alívio tomou conta de mim. Sim pai, pode ter certeza, nunca mais.

Mais adiante na vida vi que a fama não era verdadeira.

Tenho várias passagens que ficaram na história das nossas vidas, Com namorados, com maridos, Asseguro, dá um livro.

Muitos e muitos risos.

Até hoje minhas amigas e amigos lembram de momentos hilários qua acompanharam nossas vidas com ele. E sempre grudado na minha mãe.

Ele foi um homem admirado por todos que o conheceram. Foi um símbolo para a nossa família. Alegre, brincalhão, sincero e com firmes valores morais. Foi um pai amigo.

Um orgulho para mim. Encho o peito quando digo "meu pai me ensinou". E não foi pouco.

E agora ele recebe os ensinamentos do nosso Pai. Esse Pai amoroso que o recebeu de braços abertos, como o meu Ezio fez comigo,

Paz pai. Feliz dia!