Cadê a graça?
- jade turquesa
- 12 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Desde março do fatídico ano passado (tenho receio de pronunciar o número dele) tenho um certo desrespeito pelo meu guarda roupa. Não sei se a palavra é desrespeito. É uma desvalorização do seu conteúdo. E não só do seu conteúdo material mas tudo aquilo que se somava a ele. Ainda não achei a palavra mais apropriada mas ela virá.
Naqueles tempos de desespero, as poucas vezes que estive em casa, abria aquelas portas e chorava.
Inútil, achei a palavra!
A inutilidade daquele espaço antes tão preenchido por gostos e gostos, aquelas roupas penduradas, agora sem vida nenhuma me levavam a mão na testa em sinal de desaprovação.
Chorava pela nova perspectiva ou melhor, pela falta dela.
Nunca pensei em tratar minhas cores e tecidos com tamanho descaso.
Aquilo tudo não me servia para amenizar meus medos e imaginei que não serviria mais para nada.
Aquela sensação ainda não foi embora, como não foi embora a causa de tamanhas elocubrações e temores.
Paradoxalmente a todo esse turbilhão - não sei quanto a vocês mas eu, vaidosa ao quase extremo (não tenho coragem de fazer plástica não!) tive grandes choques nessa mudança de vida, de ponto de vista, de valores - busquei um atalho ainda sem o total convencimento. Iniciei, com uma amiga, uma meia sociedade para vender roupas de modinha de verão.
Não é para rir, eu disse paradoxalmente.
Uma amiga me deu uma força no sentido de ter, após viver tristes momentos, um contato com coisas bonitas (podia ser para cuidar de jardim florido mas não era), afinal a gente segura o que aparece (não vem ao caso aqui, mas outra belezas me foram apresentadas).
Foi uma experiência diferente. Sempre fui a que comprava. E ainda tive que educar o impulso para não comprar tudo que vendia. Ainda coloco alguns modelos na roda de amigas, mas agora tem o lugar que deve estar na minha vida. E creio que na delas também.
Ainda agora me peguei perguntando quem será que está comprando? Quem precisa comprar alguma coisa, além de alimento e (infelizmente) medicamentos? Ah e dentista, sim fui premiada. Quem será que abre seu guarda roupa e pensa "preciso comprar uma roupinha"?
Aquela minha atividade de cosumo perdeu a graça.
Para as vendedoras de profissão, tomara eu estar enganada. Tomara seus clientes estarem longe deste texto (sem chance de prejuízo, poucas pessoas lêem um textão, ainda mais se o assunto for, digamos, contrário as suas pretensões).
Não me desejem mal, não ando conseguindo dissimular. Veja que difícil vender.
Sabe aquele filme que trabalha aquele ator (para mim chato e sem graça) Jim Carrey que fazia um papel de uma pessoa que não conseguia mentir? Tudo bem, estou exagerando, não cheguei lá. E também não quero ter aquela fisionomia estranha quando tenho que omitir a verdade.
Como dizia minha avó portuguesa e minha mãe repetia para insinuar o mau jeito de uma tia, "sinceridade demais é falta de educação". É mesmo. A sinceridade tem que ser acompanhada de uma doçura que só o exercício da paciência (e da caridade) pode nos trazer. É bem mais difícil do que vender.
Para aquelas pessoas que ainda não tiveram a visão que eu tive abrindo o seu guarda roupa desejo que uma visão iluminada possa fazê-las aproveitar da melhor maneira possível os momentos que ainda teremos que passar, em paz.
Para os demais enjoados como eu, leitura, filme comédia, sorvete e paz. Talvez não nessa ordem.

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