90 dias para ...
- jade turquesa
- 24 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Não sei se vocês já viram um programa no a cabo TLC chamado "90 dias para casar".
Inusitado e interessante mostra pessoas de nacionalidades diferentes que por algum tempo se "corresponderam" pela internet (taí um verbo do século passado, meu ato falho) e aceitam que suas vidas sejam expostas num reality show.
São apresentados ao público os 90 dias que antecedem o provável casamento. Provável porque esses poucos dias de primeira e única oportunidade de convivência podem enraizar o relacionamento ou pintar naquelas vidas carentes um quadro de inferno medieval.
Na maioria das vezes os protagonistas são de países latinos ou do leste europeu buscando a cara metade nos EUA.
Qual foi o seu primeiro pensamento? Busca do green card? Pois é, o mesmo dos familiares dos pombinhos e a frequente dúvida habitada no coraçãozinho da cara metade americana.
Se você não tem nada melhor para ver, aventure-se.
...mas isso me transportou para uma situação vivenciada por uma próxima amiga. Uma amiga que nos últimos 90 dias experimentou a convivência com uma pessoa até então desconhecida. Ela mesma.
Tanta gente a procura de seu par ideal ...ironia do destino ter que conviver com você mesma!
Vivendo num espaço de 25m2, completamente desplugada de parentes e amigos, conheceu o real significado da palavra isolamento.
E pensei, estar só num mundo onde você pode sair, ver o sol, conhecer pessoas, passear pelas ruas, teatro, cinema, compras, comidas... o local que você mora, a sua língua de origem, vá lá,...mas durante os últimos 90 dias é bem certo que nada disso estava disponível para ela.
Foi um mergulho no eu, não tenho dúvida.
Ela mesma me confessou ter perdido um pouco a noção do que era ela. Teve que buscar, procurar, explorar um equilíbrio que, de início, duvidou que encontraria.
E o Medo.
Vocês lembram dos notíciários de tv naqueles primeiros meses? Aquilo envolvia você numa frequência de profunda tristeza. A melhor notícia era a morte. Mas que Bolsonaro que nada!
Excluídos os canais que traziam o mau agouro, só restavam os canais a cabo e ter problemas com eles (acontece sempre quando não se espera) seria a derrocada final.
Sim, ela teve gripe.
Me expôs que se entregou ao destino e o chamou de Deus.
Esteve com Ele a partir desse momento e em todos os demais. Quis conhecê-Lo melhor. Leu livros sobre Ele, escutou palestras sobre o seu Filho e além da imposição de olhar para dentro de si passou a olhar para o céu.
Foi lá que viu o tamanho Dele. Me disse que compreendeu a imensidão da criação, entendeu a existência das estrelas, do sistema solar, o nosso e o dos demais e me informou sobre a existência de bilhões de galaxias...todas alinhadas em perfeita harmonia com seus sistemas girando em torno de seus respectivos sóis.
Puxa, é mesmo, o nosso não é o único!
Confidenciou que naquele momento viu o tamanho de sua pequenice e teve uma vontade imperiosa de se jogar debaixo da cama e foi lá que pediu perdão para ela mesma por estar engrandecendo de sofrimento um período tão ínfimo em relação a imensidão dos mundos.
Ora, concordamos que não somos só nós, certo?
Foi isso que a salvou.
Entender o seu tamanho (um tico) e o tamanho do seu "problema" (meio tico) fez as suas paredes aumentarem de força e de serenidade. De vez em vez aqueles metros quadrados ficavam largos e confortáveis. Cheios de presenças.
Tirou o foco do problema para tentar encontrar sua consciência, separar dela o seu ego. Procurou equilibrar pensamentos, memórias, emoções...essas são malvadas!
Hoje mesmo me disse que tem medo, imagina que sua vida nunca mais será a mesma. Não falei para ela, mas tenho certeza que ela mudou para sempre.
Ela ouviu recentemente de uma amiga (agora as amizades estão mais frequentes em voz embora ainda não estejam presentes) que estava com saudade de sua alegria e ela, com a voz estranha arriscou um palpite pouco otimista, disse "quem sabe um dia".
Não vou expô-la mais do que ela gostaria mas sei porque ali ainda reside uma tristeza profunda.
Acompanho seus passos firmes e marcados por incansável teimosia em querer fazer tudo dar certo, Ela foi obrigada a entender que de nada adianta seu comando.
Sinto muito que tudo isso tenha acontecido a ela e em volta dela.
A vida dela mudou, acho mesmo que para sempre. Torço sinceramente para que tenha um desfecho digno.
Digo a ela todos os dias que ela não pode mudar certas coisas da vida.
Repito sempre, ' amiga, olha pro céu, lá você vai encontrar um pouco de paz'.
Fica a dica para todos nós.

Pois é, acho que esse confronto com o eu está sendo o desafio de uma boa parte das pessoas.